A Última Palavra

Reflexões (e dicas) de um profissional sobre a língua portuguesa

“στρεπτὴ δὲ γλῶσσ᾿ ἐστὶ βροτῶν, πολέες δ᾿ ἔνι μῦθοι παντοῖοι, ἐπέων δὲ πολὺς νομὸς ἔνθα καὶ ἔνθα”

(“loquaz a língua dos mortais, e dela resulta palavras muitas, de todos os tipos, sendo grande e variada sua extensão”)

— Homero, Ilíada, 20.248

O autor

Meu nome é Haggen Kennedy.

Desde pequeno, gosto de idiomas. Comecei a aprender inglês sozinho quando criança, ainda na alfabetização, e não parei mais. Estudei várias outras línguas como autodidata e, quando cresci um pouco mais, não deu outra: passei a trabalhar com serviços linguísticos.

Trabalho profissionalmente como tradutor, revisor e intérprete há mais de 20 anos. Antes até de entrar na UFBA: ainda estava na escola quando ensaiei os fundamentos do ofício em meus primeiros trabalhos pagos. Terminei por fazer Letras Vernáculas com Língua Estrangeira, na Federal. A língua vernácula é o português, e minhas estrangeiras eram inglês e espanhol, mas fiz especializações extras em latim e grego.

Na faculdade, o grego que aprendemos em verdade é apenas o koinê — o grego bíblico. Como, desde criança, sempre nutri um apreço insuperável pelo idioma de Homero, decidi ir além: fui pessoalmente à Grécia e aproveitei para adquirir material e aprender sozinho o grego moderno. Quando voltei ao Brasil, continuei os estudos em Letras até não haver mais professores para meu nível em latim e grego. Depois disso, lutei por uma bolsa de estudos oferecida pelo Ministério das Relações Exteriores da Grécia. Consegui, e deixei para trás as terras tupiniquins para cursar a graduação de Arqueologia, História e Língua Grega na Universidade de Atenas, na famosa capital: a própria cidade de Atenas, na Grécia. Morei lá alguns anos e me aprofundei bastante no idioma, aprendendo todos os tipos de grego: Linear B, grego homérico, ático, jônico, eólico, dórico, katharévoussa e por aí vai.

Por fim, retornei ao Brasil e iniciei novos estudos em outra área: Direito. Formei-me pela Faculdade Baiana de Direito, que havia ganhado renome por ser encabeçada por Fredie Didier. Minha monografia recebeu (claro!) fortes tons helênicos, com o título “Δικαιοσύνη, τιμώρησις και ψυχηγεία: A análise dos conceitos de justiça, punição e saúde espiritual em Platão aplicados à justiça restaurativa na busca da cura da alma.” O nome dá medo, mas refere-se basicamente a uma análise da Justiça Restaurativa realizada pelos olhos de Platão: se o filósofo estivesse vivo, como enxergaria esse instituto? Não tive orientador, mas a banca deve ter gostado do tema, pois me concederam a nota máxima. Logo em seguida, fiz o exame da OAB, passei e tornei-me advogado.

Mas minha paixão continua sendo por idiomas. Mesmo na faculdade de Direito, aproximava-me mais das matérias ditas (para usar uma palavra grega) propedêuticas: filosofia, história do Direito, Direito romano, sociologia, antropologia, hermenêutica, introdução ao estudo do Direito. Atualmente, continuo no ofício de serviços linguísticos: tradução, revisão, interpretação, edição, voice-over, globalização, localização, entre outros. Trabalho com os idiomas português, inglês, espanhol e grego. No cotidiano, observo muitas situações interessantes e, aqui e ali, ganho alguns insights, que serão ventilados neste blog.

 

O blog

Todos aqueles que, como eu, possuem uma curiosidade inata sobre as coisas, entenderão que é normal divagar sobre o funcionamento do mundo. Filósofos gregos já o faziam meio milênio antes de Cristo nascer, e todas as ciências que posteriormente surgiram desse manancial deram continuidade a essa prática. Graças ao espírito transformador e curioso do ser humano, criamos todas as tecnologias de que hoje dispomos, desde a roda e a primeira machadinha do paleolítico até os celulares e GPSs mais avançados. Neste sentido, nada mais natural que nos debruçarmos sobre uma das características mesmas que nos fazem humanos: nossa língua.

A história sabe que não estou sozinho: PaniniAristótelesVarrãoDescartes, Wittgenstein, Saussure e Chomsky são apenas alguns dos muitos nomes que já investigaram nosso falar, posteriormente deixando sua marca em nosso Orbe. Não que me encontre no mesmo nível dessas ilustres celebridades, mas a força que nos move é a mesma. Os pensamentos que o leitor encontrará neste blog destinam-se não a mudar o mundo, mas, seguindo a praxe levantada pelos pensadores que me precederam, simplesmente a expor certas reflexões que possam, quiçá!, vir a encontrar eco entre outros interessados.

É que o estudo de idiomas possui consequências infalíveis: o processo faz com que volver o olhar ao próprio falar nos force a mudar nossa perspectiva. É algo inerente ao ato metalinguístico. Se isso acontece quando aprendemos línguas que não vêm da mesma família (digamos, português e japonês), quanto mais com línguas aparentadas (por exemplo, espanhol e italiano). E mais ainda quando se trata de línguas antigas que serviram de base para a nossa, como é o caso do latim e do grego. Muitas vezes, as dúvidas que temos em um idioma são facilmente explicadas pela via etimológica: era de um jeito na língua-mãe (latim), e terminou ficando do jeito tal na língua-filha (português). É como conhecer o DNA dos pais de uma criança: a gente entende rapidamente por que esta última tem certas características daqueles.

Com isso em vista, este blog foi criado para expressar certas opiniões deste autor sobre idiomas — seja sobre certos atributos de nosso vernáculo, seja sobre as línguas de forma geral.

Digo “opiniões” porque isso implica em dois fatores. Primeiro, há um toque bastante pessoal nos textos deste blog. Por exemplo, digamos que você deseje saber se a forma “presidenta” está correta. A gramática provavelmente oferecerá uma resposta simplista à pergunta. A proposta deste site é apresentar informações adicionais, com etimologia, nuances e revelações possivelmente não destacadas nos manuais e demais recursos on-line. Ao fim, minha opinião.

Meus posicionamentos são — como seria de se esperar — pessoais. Trazem divagações, indagamentos, confrontamentos. Em alguns casos, a defesa das regras tradicionalmente estabelecidas; em outros casos, discordâncias da norma. Mas em ambos os casos, geralmente uma volta ao passado — haja vista meus alicerces clássicos —, enveredando-nos pelo latim e/ou grego, em busca dos motivos das prescrições atuais e de minha escolha em ser-lhes contra ou a favor.

A gramática prescritiva frequentemente é o resultado de escolhas mais ou menos arbitrárias, realizadas, em um determinado momento, por um dado grupo de estudiosos, com base na fala de um seleto grupo de pessoas — geralmente, os ícones mais prestigiados da literatura, mas nem sempre. Muitas vezes, a norma faz sentido. Outras vezes, não — e aqui entram os questionamentos e bolodórios encontrados neste blog. É para isso mesmo que serve.

O segundo fator, portanto, é este: como as opiniões aqui são pessoais, podem não estar de acordo com a tradição. Faço isso em praça pública, por acreditar ser bom abrir o diálogo a todos. Todavia, recomendo calma: sugiro não adotar pontos de vista muito controversos caso você se encontre respondendo provas de concurso!

A finalidade aqui, reforço, não é, por um lado, obsequiar cegamente a gramática, nem, por outro, fazer birra às ditas “autoridades linguísticas”. O intuito é estender o convite ao diálogo e à exploração de algo que faz parte da vida cotidiana do ser humano. O propósito é não estagnar. Portanto, as considerações aqui encontradas são tão despretensiosas quanto o objetivo a que se destinam: ventilar ideias. Refletir. Aprender. Ampliar a todos o acesso ao conhecimento.

O leitor, por óbvio, é livre para utilizar as informações aqui contidas, mas deverá lembrar-se de utilizar o bom senso. Se for estudante de Letras, lembre-se de que muitos dos conceitos linguísticos aqui encontrados foram simplificados, para alcançar o público geral. Na hora da discussão em sala de aula, vale o debate; mas na hora da prova, utilize livros, preferencialmente os que já passaram pelo crivo científico da academia, do peer review. E para todos os demais, se repassarem as informações aqui contidas, seria interessante que se lembrassem também de referenciar esta humilde fonte. ;-)

Enfim, A Última Palavra deve ser lida com descontração e mente aberta, pois quer o leitor concorde ou discorde com os pontos de vista apresentados, o intuito continua sendo o mesmo: apreciar as minúcias de um dos mais incríveis sistemas já desenvolvidos pela raça humana — nossa língua.

Em tempo: as traduções sem fonte explícita, neste site, de frases originais em latim, grego, inglês e outras, indicam que são de minha autoria. Como são traduções livres, não mostram a procedência (já que o responsável sou eu mesmo). Se algo de outrem for utilizado, o tradutor correspondente será devidamente referenciado.